A distribuição antecipada de lucros para os sócios é um assunto que gera muitos conflitos, seja pela falta de conhecimento dos profissionais ou pela falta de sensibilidade dos empresários ao confundirem a distribuição antecipada de lucros com Pró-labore (remuneração por administrar a empresa).
O fato é que há demanda por retiradas ao longo do exercício social por parte dos sócios, que muitas vezes enxergam suas empresas como fábricas de dinheiro sem limites, e acabam pondo o capital da empresa em risco.
Podemos pensar que os lucros são apurados ao término do exercício social e distribuídos numa data futura, logo após o término do exercício social.
Exercício social e Apuração do Resultado:
Art. 175, da Lei 6.404/76 - O exercício social terá duração de 1 ano e a data do término será fixada no estatuto.
Art. 176, da Lei 6.404/76 - Ao fim de cada de exercício social, a diretoria fará elaborar, com base na escrituração mercantil da companhia, as seguintes demonstrações [..] III - demonstração do resultado do exercício (onde se apura o resultado) [...]
Dividendos Intermediários (explicaremos mais adiante):
Art. 204, da Lei 6.404/76 - A companhia que, por força da lei ou de disposição estatutária, levantar balanço semestral [...] se autorizados pelo estatuto, dividendo à conta do lucro apurado nesse balanço.
Então, vamos lá – Base Legal:
Art. 204, da Lei 6.404/1976 – Dividendos Intermediários
A companhia que, por força de lei ou de disposição estatutária, levantar balanço semestral, poderá declarar, por deliberação dos órgãos de administração, se autorizados pelo estatuto, dividendo à conta do lucro apurado nesse balanço.
§ 1º A companhia poderá, nos termos de disposição estatutária, levantar balanço e distribuir dividendos em períodos menores, desde que o total dos dividendos pagos em cada semestre do exercício social não exceda o montante das reservas de capital de que trata o § 1º do artigo 182.
§ 2º O estatuto poderá autorizar os órgãos de administração a declarar dividendos intermediários, à conta de lucros acumulados ou de reservas de lucros existentes no último balanço anual ou semestral.
Análise:
O artigo menciona: “Os lucros distribuídos em períodos menores só poderão ser imputados ao resultado do exercício em que foram distribuídos, observando no estatuto ou, não havendo previsão estatutária, aprovado pela assembleia-geral.”
Este dispositivo estabelece que a distribuição intermediária de lucros só pode ser feita se o estatuo da sociedade autorizar ou mediante aprovação da assembleia. Portanto, há respaldo legal, desde que a formalização esteja de acordo com o estatuto social ou com decisão assemblear.
Art. 179, da Lei 6.404/1976 – Adiantamento
II — no ativo realizável a longo prazo: os direitos realizáveis após o término do exercício seguinte, assim como os derivados de vendas, ADIANTAMENTOS ou empréstimos a sociedades coligadas ou controladas, DIRETORES, ACIONISTA ou PARTICIPANTES DO LUCRO da companhia, que não constituírem negócios usuais na exploração do objeto da companhia.
Análise:
Este artigo trata da classificação contábil de determinados direitos no ativo realizável a longo prazo, incluindo adiantamentos a acionistas, diretores ou participantes do lucro que não estejam relacionados ao objeto usual da companhia.
Embora o inciso não trate diretamente da antecipação de lucros, ele indica que valores entregues aos participantes de lucros, antes do fechamento do exercício, devem ser reconhecidos contabilmente como adiantamentos (e não como despesa ou distribuição definitiva).
Art. 1.059, da Lei 10.406/2002 – Código Civil (obrigação de repor)
Os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas, a qualquer título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem com prejuízo do capital.
Análise:
O artigo tem como objetivo preservar a integridade do capital social da empresa, garantindo que os recursos distribuídos entre os sócios não coloquem em risco sua sustentabilidade financeira.
Art. 238, parágrafo §4º, da IN RFB 1.700/2017 – Tributando o excedente
Inexistindo lucros acumulados ou reservas de lucros em montante suficiente, a parcela excedente será submetida à tributação nos termos do art. 61 da Lei nº 8.981, de 1995 (fica sujeito à incidência do IRRF, à alíquota de 35% [...]).
Análise:
Aqui, fica claro que a distribuição de lucros deve estar limitada ao montante disponível em lucros acumulados ou reservas de lucros. Caso contrário, a parcela excedente será considerada distribuição disfarçada de lucro (DDL) e estará sujeita à tributação.
Etapas da Distribuição Intermediária:
Deliberações dos Sócios:
O Código Civil, em seu artigo 1.072, §1º, trata da relação entre o número de sócios e a obrigatoriedade da assembleia:
Art. 1.072, §1º (compilação): A deliberação dos sócios será tomada em reunião ou assembleia, nos casos e na forma prevista no contrato social, ou, se o número de sócios for superior a dez, obrigatoriamente em assembleia.
Isso significa que:
Se a empresa tiver até 10 sócios, as decisões podem ser tomadas sem a necessidade de assembleia, conforme o contrato social determinar.
Se a empresa tiver mais de 10 sócios, as decisões devem obrigatoriamente ser tomadas em assembleia.
Relação com a dispensa da assembleia:
O §2º do mesmo artigo permite que, independente do número de sócios, a assembleia seja dispensada caso todos os sócios decidam por escrito sobre a matéria que seria discutida.
Ou seja, mesmo em empresas com mais de 10 sócios (onde a assembleia é, em regra, obrigatória), se houver unanimidade entre os sócios por escrito, a assembleia pode ser dispensada.
Dinâmica da Antecipação de Lucros (distribuição antecipada):
1) Contrato Social:
Cláusula que permite a distribuição intermediária.
2) Demonstrações Intermediárias:
Base legal p/ Demonstrações Intermediárias:
Art. 204 da Lei 6.404/76
CPC 21 (e CPC 26)
Base legal p/ distribuição com prejuízo do capital:
Art. 1.059 do Código Civil
Art. 238, parágrafo §4º, da IN RFB 1.700/2017
3) Didática dos lançamentos (generalista):
OBS: De acordo com o Art. 193, da Lei 6.404/76, 5% do Lucro Líquido (Art. 191 – [...] resultado do exercício que remanescer depois de deduzidas as participações de que trata o artigo 190.) serão aplicados, antes de qualquer outra destinação, na constituição da Reserva Legal, que não excederá de 20% do Capital Social.
Registro da Distribuição Intermediária:
CPC 21, item 1:
Este Pronunciamento não determina quais entidades devem divulgar ou publicar suas demonstrações contábeis intermediárias [...] com qual frequência ou prazo a partir do encerramento do período intermediário. [...] governos, reguladores de mercado, bolsas de valores e órgãos contábeis frequentemente requerem [...] divulguem ou publiquem suas demonstrações contábeis intermediárias. E mais:
As companhias abertas, quando não exigido de forma diferente legalmente, são incentivadas a divulgar demonstrações contábeis intermediárias de acordo com os princípios de reconhecimento, mensuração e de divulgação contidos neste Pronunciamento. Especificamente, as companhias abertas são encorajadas a:
(a) disponibilizar demonstrações contábeis intermediárias pelo menos semestralmente; e
(b) provê-las em até 60 dias após o fim do período intermedi ário.
D – Prejuízos Acumulados (se aplicável)
C – ARE
Reserva:
D – ARE
C – Reserva
Lucros Acumulados:
D – ARE
C – Lucros Acumulados
Passando pelo Passivo (reconhecimento):
D - Lucros Acumulados
C - Dividendos a Pagar (ou Lucros a Distribuir)
Pagamento:
D - Dividendos a Pagar
C - Banco
Obs: Os lançamentos são os mesmos de uma distribuição no final do exercício social!
4) ECD
Ao transmitir a ECD, enviar treze demonstrações (antecipações mensais):
Para cada mês, uma demonstração;
Uma demonstração anual (de janeiro até dezembro);
Notas explicativas (justificativas).
E a Antecipação, onde está? Pois, bem:
Antecipação de Lucros
A antecipação de lucros se dá debitando a conta Lucros Distribuídos Antecipadamente (redutora do PL) e creditando uma conta de disponibilidade (Ex: Banco).
Os lucros distribuídos são o retorno do capital investido nas empresas pelos sócios. Onde na sociedade anônima são chamados de dividendos e, nas sociedades limitadas, distribuição de lucros.
A distribuição efetiva dos lucros é convencionada no contrato social ou no estatuto, sendo a distribuição mínima (obrigatório) ocorrendo nas sociedades anônimas, segundo o Art. 202, da Lei 6.404/76. No caso das limitadas, quando o contrato social for omisso, os lucros serão dividos na proporção do capital social do sócio.
Serão registrados os lucros antecipados em conta redutora do PL, Lucros Distribuídos Antecipadamente, tendo como contrapartida a conta Banco/Caixa.
Procedimento:
1) Realizar levantamento das demonstrações:
Evidenciar o lucro, "sem encerramento", e efetuar as devidas deduções.
2) Registros Contábeis:
Informações:
Capital Social: 1.500.000
Reserva de Lucro: 127.500
Lucro Apurado em 31/05/2025: 225.000
Lucro Apurado em 31/12/2025: 75.000
- Pela Distribuição Antecipada:
D - Lucros Distribuídos Antecipadamente (Redutora do PL) ...: 225.000
C - Banco ...: 225.000
Posição do Lucro em 31/12/2025:
(-) Posição em 31/05/2025: 225.000
(+) Posição em 31/12/2025: 75.000
(=) Distribuição em excesso: -150.000
Excesso:
Art. 238, parágrafo §4º, da IN RFB 1.700/2017 – Tributando o excedente; e
Art. 1.059, da Lei 10.406/2002 – Código Civil (obrigação de repor)
(-) Excesso distruído: 150.000
(+) Reservas: 127.500
(=) Excesso: -22.000
O excesso distribuído deve ser tributado pelo IR mediante tabela progressiva vigente na época da distribuição na proporção de cada sócio.
- No encerramento do exercício:
D - Apuração do Resultado (ARE) ...: 75.000
C - Lucros Acumulados: ...: 75.000
- Pela baixa da distribuição antecipada:
D - Reserva ...: 127.500
D - Lucros ...: 75.000
D - Prejuízos Acumulados ...: 22.500
C - Lucros Distribuídos Antecipadamente ...: 225.000
Conclusão
A antecipação de lucros é um tema delicado que envolve aspectos contábeis, societários e tributários. Embora tenha respaldo legal, conforme previsto na Lei 6.404/76, no Código Civil e em normas da Receita Federal, sua aplicação exige cuidados para garantir que não comprometa a saúde financeira da empresa nem gere riscos fiscais.
A distribuição intermediária só pode ocorrer se houver previsão no contrato social ou estatuto da empresa e deve ser fundamentada em demonstrações financeiras intermediárias - com fechamento, garantindo que a distribuição esteja dentro dos limites dos lucros apurados.
A falta de controle adequado pode levar a consequências graves, como a necessidade de reposição de valores pelos sócios (art. 1.059 do Código Civil) ou a caracterização de distribuição disfarçada de lucros, sujeita a tributação de IRRF, conforme IN RFB 1.700/2017.
Portanto, para evitar conflitos entre sócios e problemas fiscais, é essencial que a antecipação de lucros seja conduzida com base em documentação adequada e o devido cumprimento das obrigações contábeis. Dessa forma, a empresa mantém sua sustentabilidade financeira, protege seu capital social e garante transparência na distribuição dos resultados.
Consultas realizadas:
Nota: Artigo atualizado em 24/04/2025...